Este texto é baseado em "Fando e Lis" do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal

domingo, 8 de agosto de 2010

"A CAMINHO DE TAR"




baseado em Fando e Lis de Fernando Arrabal


No fundo da cena há três guarda-chuvas abertos, um ao lado do outro. Um carrinho de bambu cheio de entulhos e um cajon. Fando está sentado.


Prólogo

COMPOSIÇÂO 1 – FANDO

Fando começa a brincar com o som do vento, fazendo o som com a boca. Olha em volta. Come uma maçã. Espera. Toca um tambor. Espera. Faz som de vento com a boca. Espera. Acha um giz. Desenha um castelo. No topo do castelo desenha uma boneca de cabelos cacheados. Ele a observa. Beija ela. Esfrega-se nela. Dança com ela. Bebe uma água e oferece pra ela. Oferece agua de novo e de novo. Irritado pela não resposta, joga água nela. A boneca é apagada pela água. Ele fica sem ação. Fando resolve desenhar novamente. Desenha dentro do rosto, os dois olhos, o nariz, a boca e após fazer o primeiro cilho (parte de baixo), desiste e começa novamente. Fando decide desenhar mais uma vez. Desenha o segundo olho, o primeiro cilho e desiste. Fando desenha o terceiro boneco e repete o mesmo desenho. Desiste no mesmo momento e se prepara para desenhar o quarto. Coloca o giz na parede e quando vai começar a desenhar, desiste de vez. Arruma suas coisas montando uma cabana e deita embaixo dela.



COMPOSIÇÃO 2 – LIS

Lis está sentada sob um foco. Abre uma caixa com cacos de espelhos que refletem a luz em seu rosto.Ela começa a falar “bem-me-quer, mal-me-quer” com pétalas de rosa vermelha e cacos de vidro. “Bem-me-quer” para as pétalas, “mal-me- quer” para os cacos. Pega um copo d’água. Olha para ele e repete consecutivas vezes:

LIS – Eu acredito em você, Fando. Eu acredito em você. Eu acredito em você.

Ela bebe um gole d’água.

LIS – Eu acredito em você.

Ela joga o copo d’água na cabeça.

LIS- Eu acredito em você, eu juro que eu acredito.(Lis abre o guarda-chuva e caem pétalas sobre ela) Eu acredito em você. Eu juro. Eu acredito em você.



Lis traz o gurda-chuva contra si cobrindo-se com ele. Fade out simultâneo a ação de Lis se cobrir com o guarda-chuva. Lis se arrasta até Fando repetindo o texto.


LIS - Eu acredito em você, eu acredito em você, juro que acredito.



CENA 1 - FANDO E LIS


Fando entra empurrando Lis, paralítica das duas pernas, dentro de um carrinho com uma série de objetos dentro: corda, carron, pau-de-chuva, guarda-chuva, etc. Enquanto isso fazem a brincadeira de associação de palavras (Ex: Fando diz: praia. Lis diz: água Fando diz: mar Lis diz: fundo Fando diz: Alma. Lis diz: Amor: Fando diz: Lis etc). Ele tira Lis do carrinho.Lis está abraçada numa boneca de cabelos ruivos e encaracolados.


FANDO (segurando ela) - Você quer que eu coloque você de que lado?

LIS - Eu estava bem dentro do carrinho.

Fando, carregando Lis, se aproxima do carrinho para colocá-la dentro novamente.


LIS - Mas agora que já me tirou pode me deixar de fora.

FANDO - E de que lado você quer ficar?

LIS - Do direito eu posso recostar.

Fando caminha para o lado direito.

LIS - Mas do esquerdo tem flores.


Caminha para a esquerda.


LIS - Talvez eu devesse ficar no meio mesmo.


Fando demonstra um impulso de caminhar para o centro mas decide colocá-la ali mesmo. Vai até o carrinho e tira uma maçã de dentro de uma bolsa. Começa a comer.


LIS - Eu tenho medo de quando eu morrer e ninguém lembrar de mim.

FANDO (acha um conduite no chão) - Olha, Lis!

LIS - Você vai chorar quando eu morrer?

Fando brinca com o conduite, assopra fazendo barulho, balança fazendo som de vento.

FANDO - Está ventando Lis! Acho que vai chover!

LIS - Nós temos guarda-chuva.


FANDO - Mas está ventando muito, Lis! Acho que um furacão se aproxima de nós! E se o vento levar você no carrinho para longe?


LIS - Você vai chorar quando eu morrer?


FANDO - Quando você morrer eu vou colocar flores no seu túmulo. Todos os dias, eu juro. Flores lindas. Rosas. Vermelhas. Lindas. Eu juro!. Não que eu queira que você morra, eu digo que quando você morrer...


LIS - Você vai chorar quando eu morrer?


FANDO - Lis, eu vou tentar, mas não sei se vou conseguir. Vou colocar uma música. Peraí, vou fazer uma surpresa pra você. Fecha os olhos. Pensa numa música. Está pensando? Está pensando na mesma música que eu.


FANDO - Está ouvindo?


LIS - Tô.


FANDO - É a mesma música que eu?


LIS - É!


FANDO - Isso... Não perde.


Fando começa encolhido com os joelhos e canela no chão, com o peito colado nos joelhos e os braços esticados na frente. Dança desenrolando a coluna e e fazendo suaves movimentos com os braços. Faz um rolamento e volta.

LIS (admirada)- Você me ama muito.

FANDO - O quê? Caminha até o som e diminui o volume. Você gosta do início?


silêncio

FANDO - Que houve? Que expressão é essa?


silêncio

FANDO - Você está com essa cara sempre.


LIS - Pega a água?


Fando pega a água e entrega a ela.

FANDO- Eu queria fazer uma coisa pra você. Queria fazer alguma coisa que... que fale... que fale de não ter as pernas, sabe?


silêncio

FANDO - Não, você tem pernas, claro que você tem pernas, mas... em sua homenagem, assim...


silêncio

FANDO - Quero que você goste.


silêncio


LIS - Pode continuar.


FANDO - Você quer sentar em outro lugar?


LIS - Depois eu sento, continua.


Fando beija Lis e se levanta para fazer a dança.

FANDO - Presta atenção. (Aumenta um pouco o volume do som). Eu começo aqui (ajoelhado), como se fosse o momento do... do... do acidente, sim, porque foi um acidente, né? (Abaixa sentando sobre os pés, colocando o peito sobre os joelhos e esticando os braços na frente.) Aí é a dooorrr (desenrolando a coluna e erguendo um braços e depois o outro de depois faz um rolamento no chão girando até ela e voltando para o local inicial), e o giro (levanta erguendo os braços novamente) e a confusão se estabelece, e a dooorrr. E aí, gostou?

LIS - Por que é que naquela hora que você faz isso aqui (Gira a cabeça e depois levanta os braços) você não cai e tenta colocar o pé na cabeça (ela demonstra com as mãos), aquela hora que você faz isso aqui (gira a cabeça de novo).


FANDO (levanta e se posiciona para começar) - O pé na cabeça?

LIS - É.


FANDO - Você quer que eu coloque o pé na cabeça? (Fando deita de barriga para baixo tentando colocar os pés na cabeça).


LIS - Não, aquela hora, a dorrr (ela demonstra o movimento com o tórax, as mão e a cabeça)?

Fando faz a movimentação dirigido por Lis.


















LIS - Então, aí você cai (ela abre os braços), assim, com o peito no chão, isso (se referindo ao movimento que ele está fazendo)! E encosta o pé na cabeça!














Fando tenta e não consegue.






















FANDO - Mas aí eu vou mexer as pernas. Você não mexe as pernas. Quer dizer, ainda não... Você vai mexer as pernas, você vai mexer essas pernas. Não vai?






Lis o olha sem responder.










FANDO - Repete comigo: Eu vou mexer as pernas.






Lis permanece muda.










FANDO - Diz, é fácil: Eu vou mexer as pernas.










Lis continua sem dizer nada.


















FANDO - Diz Lis, repete comigo: eu vou mexer as pernas! Que é Lis? Ficou muda? (ficando irritado) Fala, caramba! É uma coisa ridícula de se dizer, uma frase! Você é o que? Alguma besta por acaso? Fala, Lis, é simples: eu vou andar!

LIS - Mas eu não sei se eu vou andar.


FANDO - Se eu estou dizendo que você vai ficar boa, é porque você vai ficar boa! Ou você não acredita em mim?


Lis não responde.

FANDO - Voce acredita em mim, Lis?

LIS - Uhum.


FANDO - Então diz: Eu acredito em você, Fando.


LIS (repetindo mecanicamente)- Eu acredito em você Fando.


FANDO - Assim não vale, quero que você fale de verdade.


LIS (falando para se livrar, levemente irritada)- Eu acredito em você, Fando!


FANDO (irritado) - Você sabe fazer isso melhor.


LIS (sorri) - Eu acredito em você!


FANDO - Lis, quando você quer dizer as coisas, você sabe, agora, só porque sou eu que estou te pedindo você não quer fazer.


LIS - Mas eu não sei porque está pedindo.


FANDO - Estou pedindo porque quero escutar.


LIS - Mas eu acredito em você, Fando,


FANDO (realizado) - Você acredita em mim, Lis! Você acredita em mim! Lis, você merece... você merece... você merece uma festa! Eu vou fazer uma festa pra você, eu tenho borrachas coloridas. Toma, é só assoprar.


LIS - Eu acredito em você porque quando você fala, parece um menino, porque você dança pra me agradar, porque você me carrega no seu colo e me leva pra passear, porque você me mostra o vento quando não estou sentindo e as flores quando não estou vendo.

FANDO (falsa modéstia) - Mas isso não tem a menor importância.


LIS – E gosto também de quando você canta e de quando você dança pra mim.


FANDO – Eu ainda vou fazer muitas coisas por você.


LIS - Termina a dança que você estava fazendo pra mim?


FANDO – Eu vou terminar, mas quando chegarmos a Tar. Quando chegarmos eu vou terminar a sua dança e também vou criar uma música pra você.


LIS – E se eu fizer alguma coisa que você não goste?


FANDO – Mas vou colocar a música para ir me inspirando.


LIS – E se eu fizer alguma coisa que você não goste?


FANDO – Quando nós chegarmos também vou escrever um livro: A Caminho de Tar. É a história de um homem que leva uma mulher num carrinho para Tar.


LIS - E se eu fizer alguma coisa que você não goste?


FANDO – Você não vai fazer. Eu amo você, Lis. Posso prender o seu cabelo? (ele senta atrás dela para prender seu cabelo) Eu gosto do seu cabelo preso. Ai, seu cabelo tá embolado!


LIS – É porque ele é enrolado.


FANDO – Tinha que esticar ele, será que se a gente puxar ele assim, ele estica?


LIS – Ai.

FANDO (divertindo-se) – Machuca? (puxa o cabelo novamente e ri)


LIS – Machuca.


Ele puxa de novo e ri, brincando com a ação de puxar o cabelo dela.

FANDO - To fazendo uma chiquinha em você. Bonecas sempre tem chiquinhas. Eu fazia chiquinhas nas bonecas da minha irmã antes de afogá-las na piscina. E a minha irmã sempre chorava, acho que ela não gostava de chiquinhas, aí um dia eu resolvi que não ia mais fazer chiquinhas e raspei o cabelo de todas.


LIS – Me coloca no carrinho agora?


Fando levanta Lis e começar a dançar com ela.

FANDO – Eu sinto saudade de dançar com você, você dançava tão bem. Você tinha que tentar segurar um pouco essas pernas, você tá muito pesada, quer dizer, não é você que está pesada, é que eu estou fraco e, e tem essas suas pernas...


LIS – Fando me coloca no carrinho?

FANDO – Não, já sei, vamos fazer assim.(Ele coloca Lis deitada no chão e a observa) Nossa... Eu estou olhando pra você assim e estou lembrando de como você ficava linda em pé, você tinha um porte, parecia uma dama.


LIS – Fando me coloca no carrinho.


FANDO – Não, Lis. (Ele caminha para o outro extremo e se coloca num ponto distante dela.) Vamos começar a explorar seus movimentos. Vem até aqui.


LIS-Fando, me coloca no carrinho, por favor.


Lis se arrasta.


FANDO - Muito bem, Lis, muito bem, Lis, está vendo? Você vai andar, escuta o que estou te dizendo.


Lis pára no meio do caminho.


LIS – Estou cansada, me coloca no carrinho.


FANDO– Ai, Lis, como você é chata! Eu estou aqui tentando te ajudar e a única coisa que você sabe falar é “Me coloca no carrinho”, “Me coloca no carrinho, Fando” , “Me coloca no carrinho, por favor, Fando”. “Eu estou cansada”, Pobre de mim que sou paraplégica”, Me coloca no carrinho”. Quem está ficando cansado sou eu! Eu tenho que fazer tudo pra você e você não se esforça para nada! Qualquer dia eu vou embora, vou para longe, bem longe de você e quero ver como é que você se vira sozinha.Você sabe muito bem que sem mim, você não seria nada, você sabe muito bem disso. Ninguém! Se fosse qualquer outra pessoa no lugar, teria te abandonado! Quem é que vai ficar com uma paraplégica? Você tem alguma dúvida de que é bom ficar comigo?

Lis não responde.

FANDO – Eu sou bom pra você ou não sou?


Lis não responde.

FANDO (com raiva) – Eu sou bom pra você ou não sou?

Lis nãi responde.


FANDO – Ah, você vai ficar muda de novo?

LIS – É bom.


FANDO – Deixa de ser mentirosa. Você não está dizendo que eu sou bom.


LIS – Eu estou dizendo “você é bom”.


FANDO – Os seus olhos estão sendo mentirosos, a sua boca está mentirosa, sua voz está sendo mentirosa! Você está mentindo! Eu quero que você olhe nos meus olhos e me diga o que você acha.


LIS - Você é bom pra mim.


FANDO - Quer saber? Vou embora! (E sai)


LIS-Volta aqui. Volta aqui, Fando! Pára com isso! Fando!


Ele volta.


FANDO – Você quer subir no carrinho?


LIS – Quero.


FANDO – Vai sozinha. (ele sai novamente)

Após um tempo, Fando entra novamente.

FANDO – Desculpa, desculpa, Lis, me desculpa, eu não vou mais te tratar mal. Me diz o que é que você quer que eu faça pra você agora.

Ele a abraça e beija.


FANDO – Você quer que eu coloque você no carrinho?


LIS – Quero.

FANDO – Eu juro que eu vou me esforçar. Você acredita em mim, Lis?


LIS – Mas você sempre diz que nunca mais vai me fazer mal e sempre acaba fazendo e sempre diz que vai me amarrar com uma corda e que vai me dar uma surra até me fazer sangrar pela boca.


FANDO – Eu nunca faria isso com você. Eu te amo e você é a minha fofinha. Linda.

Ele pega o rosto dela.

FANDO – Eu peço perdão pelo que aconteceu. Você precisa confiar em mim.


LIS – Eu confio em você. Sabe do que eu me lembro? Do dia em que eu você me contou a história daquela princesa que morava no alto da Torre e quando o resto do castelo desmoronou, ela virou uma estrela.


FANDO – Ah, isso não é nada , Lis.

LIS – E me lembro também do dia em que você me mostrou as montanhas no céu e o vento que saía da terra e que faziam voar as margaridas roxas, as gérberas verdes, os copos de leite vermelhos e os girassóis azuis que caíam da montanha do céu.


FANDO (falsa modéstia) – Ah, mas isso é só uma bobagem sem impotância.


LIS – Mas eu ficava feliz.










FANDO – Está vendo como você tem que confiar em mim?










LIS – Eu confio.










FANDO – O que mais quer que eu faça agora?










LIS – Que nos leve para Tar.










FANDO – Mas não vamos chegar nunca.










LIS – Mas temos que tentar.














CENA 2 - FANDO FALA COM LIS QUE NÃO FALA COM FANDO / QUEM, ALGUÉM E OUTRO À CAMINHO DE TAR / FANDO INTRUSO


Fando empurra o carrinho com Lis. Pára. Fando prende uma corda no pescoço de Lis e a outra ponta fica presa no carrinho. Eles fazem a brincadeira com associação de palavras até que Fando diz a última palavra e Lis se cala.


FANDO - Lis, preciso descansar um pouco. Vamos descansar aqui. Lis? Está me ouvindo? Estamos parando aqui porque eu estou muito cansado de andar andar andar e o carrinho é pesado. Você quer alguma coisa? Água? Dança? Lis, não adianta você ficar muda. Você fica entubando as coisas aí pra dentro mas eu sei porque você está chateada. Está brava comigo porque andamos andamos andamos e estamos aqui. Lis, fala comigo. (terno) Você quer alguma coisa? (preocupado) Quer que coloque você de volta no carrinho? (Ele a observa admirando-a) Você é tão linda, parece uma princesa. Já sei, quer que eu lhe deixe ainda mais bonita! (Com um lápis preto ele desenha traços como cilhos de boneca nos olhos dela. Passa batom e faz uma boca de boneca. Ele pega uma caixa com espelhos e entrega a ela. Ela abre e se olha. Tira, um a um, cacos de vidro de dentro da caixa e, segurando-os com a ponta dos dedos indicador e polegar, os deixa cair.Enquanto isso, Fando permance na tentativa de fazê-la falar). Está vendo como você está linda? Que houve você não gostou? Eu posso apagar, se você quiser. Quer que eu toque tambor pra você? Violão? (Fando começa a dedilhar uma música até que começa a tocar e cantar)










"Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava eu mandava ladrilhar, com pedrinhas com pedrinhas de brilhante, só pra ver, ver o meu amor passar, nessa rua nessa rua tem um bosque que se chama que se chama solidão, dentro dele dentro dele mora um anjo, que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei seu coração, tu roubaste tu roubaste o meu também, se eu roubei, se eu roubei seu coração, é porque só porque te quero bem".










Gostou? Que houve? Cantei desafinado? Você queria que eu cantasse outra? Mas eu só sei a música da solidão. Já sei, você queria que eu tocasse com tambor? Mas eu só sei a da solidão. A única canção que eu sei. Lis, minha fofinha, eu preciso saber o que você quer, se você tem fome, ou sede. Você quer desistir, Lis? (com um certo susto, se dando conta da possibilidade) Eu sei que você não quer, então vou te colocar de volta no carrinho. Não importa se eu estou cansado, eu vou te levar comigo está bem? Eu sou forte, pode confiar em mim que eu vou te proteger e cuidar de você até o fim.














Quando Fando começa a cantar a canção da Solidão, entram rodando guarda-chuvas pretos que cobrem seus rostos três homens e preenchem seus lugares distribuindo a areia no chão até que cada um forme um retângulo de areia e um "X" no centro. Os três homens não se relacionam com Fando e Lis, como se não habitassem o mesmo tempo ou espaço que o casal.

Composição - Cada um dos três personagens que compõe trio se encontra no centro de um retângulo de areia com um “X” no meio. Coreografia da desorientação.


OUTRO – Então o melhor é dormir.

QUEM – Aqui?


OUTRO – Sim.


ALGUÉM – Agora ?


OUTRO – Sim, então o melhor é dormir aqui, sim, agora, sim.


ALGUÉM – Não podemos dormir.

QUEM – Precisamos saber se chove.


OUTRO – Não chove.


QUEM – Como sabe?

OUTRO – É claro que não chove.


QUEM – Como sabe?


OUTRO – Porque não pinga.


ALGUÉM – Não pinga, mas pode pingar. Não dê ouvido a ele. Precisamos saber de onde vem o vento.


QUEM – Não, o importante é saber para onde ele vai.


OUTRO – Por que não esquecem essa coisa toda de chuva e vento e vamos dormir?


ALGUÉM – Você é sempre tão tranquilo.

QUEM – Deixa o Outro e essa mania de não tomar precauções.

ALGUÉM – Se fôssemos pelo Outro já estaríamos todos mortos.

QUEM – Isso, o importante mesmo é saber para onde vai o vento.


ALGUÉM – Eu insisto em dizer que o importante é saber de onde vem o vento.


QUEM – Está bem, não vou ser intransigente como o Outro, como quiser.


ALGUÉM – Então estamos de acordo que o importante é saber de onde vem o vento.

QUEM – Isso, o importante é saber de onde vem o vento. (faz uma breve pausa e continua num tom mais baixo).Para depois saber aonde ele vai depois de ter vindo.


OUTRO – Não temos como saber nem de onde vem e menos ainda para onde vai o vento.


QUEM – Como assim menos ainda para onde vai o vento? Por quê? Em alguma hipótese é mais fácil saber de onde vem o vento do que saber para onde ele vai.


OUTRO – O fato é que não podemos saber de onde vem o vento e nem para onde ele vai porque não o vemos.


QUEM – Olha o que acabamos de escutar! Mas que coisa genial o Outro acabou de dizer. Nós não vemos o vento!


ALGUÉM – Isso, nós vemos a ação do vento. Nas árvores.


QUEM – É... mas aqui não há árvores.



ALGUÉM – É, aqui não há árvores.


QUEM – E daí?


ALGUÉM – Então como vamos ver o vento?


QUEM – Não vemos o vento, vemos a ação do vento.


OUTRO – Não importa, o melhor é dormirmos, mas a luz aqui está muito forte.

QUEM - Está forte porque você está neste exato ponto em que se encontra, se eu estivesse no exato ponto onde você se encontra e você estivesse no exato ponto onde me encontro, a luz não estaria forte.


ALGUÉM -Isso! Mas então, a luz nunca será a mesma para nós três, a menos que ocupemos o mesmo exato ponto em que nos encontremos.


QUEM - Sim, a menos que ocupemos o mesmo exato ponto em que... o quê?

ALGUÉM - Nos encontremos.


QUEM - Não nos encontremos, estaremos!


ALGUÉM - Que seja, a luz apenas será a mesma se acontecer um eclipse.


QUEM – Claro! Mas... O que é um eclipse?


ALGUÉM - Eclipse é quando as coisas no universo se alinham completamente e de uma forma quase misteriosa, por um instante, algo muda...

QUEM – A felicidade é um eclipse!

OUTRO -Isso! Isso! Isso não faz a menor diferença pra que cheguemos onde precisamos chegar. Podemos dormir para que possamos continuar?


No canto da cena, Fando está remexendo as coisas no carrinho e joga algo para trás. Algo cai no meio do trio(um guarda-chuva preto).


ALGUÉM – Ih! Quase caiu na minha cabeça.

QUEM –Que isso?

OUTRO – Medidor de vento.

ALGUÉM – Isso não é uma árvore.

QUEM – Está bem, é só uma coisa preta.

ALGUÉM – Isso é preconceito.

QUEM – Por que preconceito?

ALGUÉM – Só porque a coisa é preta não quer saber para o que serve.

OUTRO – A coisa é preta e ponto. Podemos dormir?

QUEM - Quem disse que é preta e ponto?


ALGUÉM - Por quê? Você não vê preta?


QUEM - Vejo... Mas será que o meu preto é igual ao seu preto?


ALGUÉM - Olha... Não sei se tem alguma limitação no funcionamento do meu cérebro, mas acho que não estou conseguindo compreender o que está querendo dizer.

QUEM - Quem foi que disse que o seu preto não é o meu amarelo? E o meu amarelo o seu preto e o meu verde o seu azul?

ALGUÉM - Você está dizendo que o seu rosa é o meu laranja e o meu roxo é o seu marrom?


OUTRO - E o seu nada é o meu tudo e o seu tudo é o meu nada e que o nada é onde sempre estaremos se não nos pusermos a caminho de Tar.

QUEM - Estamos apenas tomando as precauções necessárias, afinal você já imaginou se o meu roxo é o seu amarelo, e o seu azul é o meu branco, e o seu...

OUTRO (interrompe) - Ai! Como é que vocês não percebem que isso não faz a menor diferença?

ALGUÉM - Mas é claro que faz diferença, esta confusão pode causar até mesmo uma catástrofe nos nossos planos, é praticamente uma armadilha, como é que pode não ver uma coisa dessas?


QUEM - E ainda tem displante de dizer que não faz a menor diferença!


OUTRO - É porque não faz.


ALGUÉM - Como pode afirmar que o seu verde não é o meu amarelo o meu branco o seu preto, o meu ouro a sua prata.


QUEM - Isso, o nosso ouro a sua prata! Veja só que confusão isso pode causar! Ai ai ai.


OUTRO - O arco-íris é uma prova de que isso que vocês estão falando não faz a menor diferença.

ALGUÉM e QUEM - Arco-íris?


ALGUÉM - Então ele acredita na história do pote de ouro no fim do arco-íris!


QUEM - Não é desse ouro que estamos falando, sua mula! Deixa ele, ele não nos entende, nunca entende, não entende nada.


OUTRO - Vocês é que não entendem, eu falo das cores, as cores do arco-íris comprovam que essa história de meu-seu-nosso, amarelo-verde-ouro-prata não fazem a menor diferença. O que faz diferença é seguirmos a caminho de lá.


QUEM E ALGUÉM - Ele não entende.


ALGUÉM - O Arco- íris não prova nada.


QUEM - É, não prova nada.

ALGUÉM - Mas talvez, talvez... Talvez ele tenha uma certa razão.

QUEM - É, talvez ele tenha.

OUTRO – Podemos dormir embaixo da coisa preta.

QUEM - Ou podemos usá-la para saber de onde vem o vento. (continua em tom mais baixo) Para depois saber para onde ele vai.


ALGUÉM – Claro, para saber de onde vem o vento!


QUEM – Foi o que eu disse, que é um medidor de vento.


ALGUÉM – E o Outro fica nos afastando da realidade com essas idéias sem ponta nem topo de dormir embaixo da coisa preta.


QUEM – É sempre assim... Estamos tomando as precauções necessárias e vem o Topo, quero dizer, o Outro nos ludibriando com suas idéias fixas e desejos egoístas. Eu, até renunciei a minha primeira posição que sustentava que o importante era saber de onde vem o vento para conseguirmos um acordo rápido que nos facilitasse dormir rapidamente. Eu sim fiz um esforço e trabalhando a profundeza da minha humildade reconheci, diga-se de passagem, apenas, como essa luz que me ilumina, que o importante é saber para onde vai o vento. Esse Outro é muito perigoso, hein. Vou logo avisando. Um manipulador, talvez até um espião, quem sabe...


OUTRO – Mas eu apenas disse que devíamos dormir embaixo da coisa preta...


ALGUÉM – Olha, mas ele ainda admite! Reconhece cinicamente sem nos pedir perdão.

FANDO – Opa! Que bom encontrar amigos por aqui! Bom isso, não é? Todos por aqui... nessa mesma situação... muito bom... Quer dizer, vo.. vocês também estão indo, não estão? Para lá. Estão indo? É... desculpe, é que eu estou com uns pequenos problemas auditivos, nada muito grave, você não precisam se preocupar, mas eu tenho a impressão de que não os estou ouvindo muito bem. Vocês também estão indo para lá?


O trio ignora Fando completamente.


FANDO – Eu estava ouvindo vocês discutirem de lá, é interessante. Posso discutir com vocês também? Eu só acho que não devemos contar a mais ninguém que estamos indo, ou pode ser que não haja mais lugar para nós lá. Já pensaram se chegarmos lá e não houver lugar para nós? Estaríamos realmente fadados a nunca chegarmos lá, já que nunca poderíamos entrar, no caso de não haver lugar para nós.




Outro deita embaixo do guarda-chuva. Ele também deita. Quem acaba deitando também. Os três inspiram profundamente erguendo a cabeça por cima do guarda chuva e olhando para Fando. Expiram e abaixam suas cabeças sob o guarda chuva simultanemente.


Os três homens se deitam embaixo do gurda-chuva e dormem.

FANDO – Olha eu tenho um monte de coisas aqui. Um monte de coisas que servem pra um monte de coisas. Eu posso emprestar pra vocês, se vocês quiserem. Olha só. (Fando tira de dentro do carrinho um carron) Isso faz barulho, olha só. Quero dizer, olha não, ouve. Mas ouvir vocês já estão ouvindo... Podem olhar também pra saberem como é a forma do som. (Fando comça a batucar e cantar) “Entrei, entrei, entrei de penetra no navio, entrei entrei, entrei pelo cano” Não é legal essa? Entrei, entrei, entrei de penetra no navio, entrei, entrei, entrei pelo cano” Ih! Não! Não é penetra, não... É assim, oh, “entrei, entrei, entre de gaiato no navio, entrei, entrei, entrei pelo cano.” É gaiato. Eu sempre achei essa palavra engraçada... gaiato, ga –ia-to, gaiato, gaiato, gaiato. Quando a gente repete muitas vezes uma palavra ela sempre fica esquisita, né? Gaiato... (Reflexivo) Por que é que eu falei penetra? Eu adoro gaiato. (Pega uma gaita) Tem isso aqui também! E tem esse outro aqui. (pega um violão). Mas esse aqui eu só toco se vocês falarem comigo. Vocês estão me ouvindo?

Fando faz cócegas nos pés deles. Eles reagem tirando seus pés do lugar. Fando continua. Eles se deslocam junto com seus guarda-chuvas, sem saírem debaixo deles. Fando se diverte e ri compulsivamente.


FANDO - Vocês sentem cócegas!

Fando permanece tentando um contato através das cosquinhas, se divertindo até seu riso se esgotar e ele mesmo não achar mais graça percebendo que está sozinho e não tem com quem dividir aquele instante. Volta para perto de lis, no carrinho.












FANDO – Eles não me deram a menor atenção, Lis. Mas você é bem melhor que eles. Você sempre diz coisas lindas. E além disso, você tem uma voz que é só sua sabe? É, uma voz só sua, Lis! Uma voz que fala, sabe? Mas só posso ouvir sua voz quando você fala. Fala comigo, Lis! Lis! Quer fazer o favor de falar comigo?



Fando abre um guarda-chuva, cobre Lis e se deita junto ao trio para dormir. Black out.


CENA 3 – FANDO, ALGUÉM, QUEM E OUTRO A CAMINHO DE TAR.


O trio está acordado. Fando está acordando dentro de um espaço com uma barreira de guarda-chuvas pretos entre eles e o trio. O trio está dando o primeiro passo para partir quando Fando os interrompe.


FANDO - Já estamos indo?


QUEM - Pra onde?

FANDO - Pra lá.


QUEM - Não te conhecemos, não vamos a lugar nenhum com desconhecidos.


FANDO - Aqui é um lugar bacana, muito bacana mesmo, cheio de coisas divertidas.


QUEM - Se é divertido então porque quer sair daí?


FANDO - Porque eu já tive a oportunidade de experimentar todas as coisas bacanas daqui, agora é hora de alguém se divertir com as coisas que eu me diverti.


ALGUÉM - Por que alguém?


FANDO - Só poderão saber se vierem conferir. Alguém pode trocar de lugar comigo.


ALGUÉM - Por que alguém? Cismou com alguém, quero saber por que alguém? E não Quem ou o Outro? Hein? Hein? Ahn?


FANDO - Bom, vou dar uma amostra grátis porque sou muito bom e generoso. (Fando toca o carron). Barulho de alta qualidade. Diversão garantida para toda a família. Imagine para um pequeno trio... Afinal, quem vai trocar de lugar comigo?


QUEM - Quem sou eu.


FANDO - Quem?


QUEM - Sim, Quem, eu sou Quem. Você disse Alguém, quem sou eu.


FANDO - Quem?


QUEM - Eu?

FANDO - Não, eu sou eu, você se chama quem?

QUEM - Exatamente o que disse, e o senhor disse Alguém, portanto, não é Quem a pessoa que vai trocar de lugar com o senhor e sim, Alguém.


ALGUÉM - Alguém talvez não esteja devidademente preparado para lidar com essa situação e acha que na verdade, talvez a pessoa que mais se encaixe no perfil devido para vivenciar essa experiência tão inesperada e tão nova e tão surpreendente e tão divertida deva ser, na verdade, não alguém, mas talvez ... o Outro.


FANDO - Eu já entendi. Não estão confiando em mim. E eu entendo, nem me conhecem direito. Eu também não confiaria em mim, quero dizer, no caso de eu não me conhecer, mas olhem, vou lhe mostrar uma outra coisa que há aqui mas só posso mostrar para um.


QUEM - Deixem que eu veja!


Fando mostra para Quem.


(Fando toca o conduite como um apito. Na ponta do conduite há uma bexiga amarela. A cada vez que FAndo sopra, a bexiga enche.

QUEM - Preciso fazer uma reunião com a cúpula.

Quem se aproxima dos três


QUEM - Ouviram o barulho?

ALGUÉM - Ouvimos! É o vento!


QUEM - Ele traz o vento consigo.

ALGUÉM - Então já sabemos de onde vem o vento.

OUTRO - Não sabemos de onde ele veio. Só o que sabemos é que ele está aqui!

ALGUÉM - Mas sabemos para onde ele vai.

QUEM - Está vendo? Quem estava certo! O importante, quem sempre disse? É saber para onde vai o vento!

ALGUÉM - Está maluco! Disse que o importante era saber de onde vem o vento!

OUTRO - Isso não faz a menor diferença, o fato é que também não sabemos para onde ele vai.

QUEM - Claro que sabemos!

ALGUÉM - Sim, claro que sabemos

OUTRO - Ah é? E para onde ele vai?

QUEM e ALGUÉM - Vai conosco.


OUTRO - E por acaso sabemos para onde vamos?


QUEM - Isso não importa.


ALGUÉM - Sim, o fato é que nos enganamos, nós espiamos daqui e... Nós vemos o vento! E ele é amarelo!


QUEM - Quem disse que é amarelo?


ALGUÉM - Você não viu amarelo?


OUTRO - Será que o vento é o arco-íris?


QUEM - Não apenas me pergunto se o meu amarelo é o seu...


ALGUÉM - Ah... Não me venha com essa história de seu, meu amarelo, preto, branco, ouro e prata novamente.


QUEM - Se o trouxermos teremos o vento sempre com a gente. E sempre saberemos de onde vem o vento


ALGUÉM - Não, saberemos para onde vai o vento.


QUEM - Que seja, não serei intransigente como o Outro, saberemos para onde vai o vento, (em tom mais baixo) e de onde ele veio antes de ir.


OUTRO - Decidamos logo se ele vai ou não conosco e vamos logo para lá.


ALGUÉM - Como vamos confiar nele?


QUEM - Já sei, podemos pedir para ele assinar.

ALGUÉM - Assinar onde?

QUEM - Peço que o senhor se prontifique e sob o juramento de nunca mais nos deixar assine aqui.


ALGUÉM - Nunca mais?


QUEM - O vento, meu caro, o vento, quer abrir mão disso?


ALGUÉM - Isso, pode assinar, senhor!


FANDO - Está bem, onde eu assino?


QUEM - Aqui. (mostra o traseiro para Fando)


Fando ri. Quem, a princípio, não entende porque Fando está rindo, mas um instante depois resolve aderir ao riso.

ALGUÉM - Não estou entendendo porque estão rindo.

Eles riem mais ainda

ALGUÉM (para o Outro) - Não estou entendendo porque estão rindo.


FANDO - Eu tenho uma idéia. Conto um segredo meu e assim sempre poderão confiar em mim.

QUEM - Só um instante, preciso consultar a cúpula.

Quem vai até os dois

QUEM - Tive uma idéia genialesca. Ele nos conta um segredo e assim podemos confiar nele.


ALGUÉM - Claro! Genialítico!


O trio retorna para perto de Fando

QUEM - Estão todos de acordo, pode contar o seu segredo.


ALGUÉM - Mas olha, respira, viu? Estamos aqui com você.


QUEM - Isso, prontinhos só para te ouvir.



O Outro faz gestos para que Fando respire.

QUEM - Vai no seu tempo.

FANDO - É que eu... eu... ai, é tão difícil contar... eu... ai... eu não sei como falar disso, não quero que tenham má impressão de mim.

QUEM - Olha, no seu tempo.

ALGUÉM - Pode contar, vamos compreender.

QUEM - É... afinal, quem não tem defeitos, não é verdade?

FANDO – É que eu... eu não traio a Lis, pronto falei!

ALGUÉM – Quem é Lis?

FANDO – Lis é a minha, ali, olha.

ALGUÉM – Você não trai sua?

FANDO – Não.

ALGUÉM – Como não trai?

QUEM – Como pode não trair?

ALGUÉM – Não sei se tem alguma limitação no funcionamento do meu cérebro mas acho que não estou conseguindo compreender o que está querendo dizer. Disse que não trai sua?

FANDO – Sei que é mesmo de difícil compreensão, mas...


ALGUÉM (interrompe) – Entendi, é por isso que quer deixá-la? Cansou-se dela?

FANDO – Não vou deixá-la.

QUEM – Não vai deixá-la nunca?

FANDO – É o que eu sempre digo.

QUEM – Ela também vai?

ALGUÉM – A sua vai conosco?

FANDO – Vai.

QUEM – O carrinho?


FANDO – Vai também.

QUEM - E a tranqueira toda?

FANDO - Uhum.

QUEM – Cúpula!

Eles se viram e entre si fazem alguns comentários.Enquanto isso Fando acha um guarda-chuva.


FANDO – Peraí, isso é meu!

QUEM – Não, não, é meu.

FANDO – Não é seu.


ALGUÉM – É nosso.

FANDO – Não é.

QUEM – É sim, é nosso.

OUTRO – É, é nosso.

ALGUÉM – Viu, até ele está dizendo.

FANDO – Não é de vocês.


ALGUÉM – Olha, eu juro pelo vento que é nosso.

FANDO – Onde vocês acharam isso?

ALGUÉM – Quase achei na minha cabeça.










FANDO – Ninguém acha nada quase na cabeça, isso é meu.










QUEM – No chão, anta (para Alguém)










ALGUÉM – Isso, achamos no chão.










OUTRO – É verdade, foi no chão.


FANDO – Em que chão vocês acharam?

ALGUÉM – Nesse chão.

FANDO – Acharam no chão, não é de vocês, isso é meu, é meu, é meu, é claro que é meu.

QUEM – Não é.

FANDO – Claro que é. Querem ver como é meu? (abre o guarda-chuva e faz barulho). Estão vendo como é meu? Isso é meu! Mas eu não sou tão apegado assim, eu posso doar para os meus amigos.

ALGUÉM – Gente, ele é bom! Contou um segredo dele, confiou em nós três, e agora ainda nos deu algo dele...

QUEM – Olha, estou todo arrepiado. É verdade, você é um homem bom, muito bom, pode ficar conosco, aquela história toda de barreirinha... Imagina, foi só um pequeno engano, viu, bobagem.


OUTRO – Não me convenceu.


Outro tira o guarda-chuva da mão de Fando

OUTRO – Mas com carrinho podemos chegar mais rápido. Podemos seguir agora?


Todos correm para pegar um guarda chuva e seguir quando Alguém interrompe.


ALGUÉM – O problema é que temos a impressão de estarmos sempre voltamos ao mesmo lugar. (para Fando)

FANDO – Comigo acontece o mesmo.

ALGUÉM – Mas o mais grave é que nunca tomamos precauções.

OUTRO – Estas histórias de precauções é que nos distraem sempre e não nos deixam chegar nunca a Tar.


QUEM – O que nos impede de chegar a Tar é ele que sempre se coloca contra nós.


ALGUÉM – Então o companheiro quer dizer que além de vir conosco ainda trará a sua junto?


FANDO – Sim. Olhem como ela é bonita. Bonita, não, ela é linda.

ALGUÉM – É mesmo... Muito bonita.

FANDO – Abaixem-se para vê-la em perspectiva. Venham aqui! Olhem as pernas. Agora olhem daqui de cima! Parecem duas montanha com um lindo vale no meio.

QUEM – É verdade.

ALGUÉM - Duas montanhonas, não é verdade?

QUEM – Ótimo! Quando partimos?


FANDO – O que eu mais gosto é de beijá-la. Querem beijá-la? Podem beijar. Quem quer beijá-la?

Toso fica medindo Lis com a sua mão.


ALGUÉM – Posso mesmo?


QUEM – Ele disse Quem, está com algum probleminha de audição?


FANDO – Se Alguém quiser... pode acariciar suas pernas também. Comece pelos seus pés. São lindos, delicados feito de princesas.


Quem e Alguém lambem Lis com voracidade. Outro, no fundo, mede o espaço.

FANDO – Gostaram?

ALGUÉM E QUEM – Sim, muito.

FANDO (orgulhoso) - Pois é, minha noiva.

OUTRO (olhando para o chão e depois para o céu)- Qual a distância daqui até ali?

ALGUÉM - Nem muitos Outros empilhados um em cima do outro seriam suficientes para medir.

FANDO - Nem infinitos Outros.

OUTRO - Por que Outros?

QUEM - Pergunta errada. Por que infinitos?

OUTRO - Por que errada?

ALGUÉM - Por que infinitos?

FANDO - Porque o infinito é o que não sabemos.


OUTRO - O infinito não existe.


QUEM - Então o que não sabemos não existe.

ALGUÉM - Então sabemos tudo.

FANDO - Não, o infinito não é o que não sabemos, infinito é tudo.


ALGUÉM - Como tudo?


QUEM - Tudo, o espaço, o tempo, o vento...


ALGUÉM - Ah, não, essa história de tempo de novo, não.


OUTRO - Está bem, vamos então ao que importa, como chegamos lá?


ALGUÉM - Lá onde?


QUEM - Lá?


FANDO - Céu...

QUEM - O que?


FANDO - Céu.

ALGUÉM - O quê?

OUTRO - Céeeeuuuu.

ALGUÉM - O que é Céeeeuuu?

OUTRO - Céu é um dos nomes que dão para o lá.

ALGUÉM - Pro infinito?

OUTRO - É, tem esse nome também. Será que existe uma escada que leva para lá?

ALGUÉM - Pra esse céu?


OUTRO - É.


FANDO - Não sei.

ALGUÉM - Se não tem, como é que sobe?

FANDO - Mas... a partir de onde que é céu?

ALGUÉM - Antes das nuvens ou depois das nuvens?

QUEM - Se eu pular, já é o céu?

ALGUÉM - Céu é a cobertura do mundo?

OUTRO - Não é o teto.


ALGUÉM - Sempre achei que Deus morasse na cobertura.


OUTRO - Deus? Quem é Deus?


ALGUÉM - Não sei, Quem é deus?


QUEM - Não, Quem não é Deus. Quem é Deus?

OUTRO - Alguém disse Deus.

ALGUÉM - Não, eu não disse Deus. Quem disse Deus! (apontando para Quem)

QUEM - Não, Alguém disse Deus que Quem ouviu.


ALGUÉM - Não, eu não disse.

FANDO - Quem disse Deus?


QUEM - Quem não disse Deus!

ALGUÉM - Deus é o céu?

FANDO - Não, é o infinito.

OUTRO - Mas o infinito não existe.

ALGUÉM - Mas eu queria ir pro céu mesmo assim.

QUEM – Não dê importância o que o Outro diz. Está vendo, companheiro, como o Outro é?

OUTRO – Podemos seguir nosso caminho?

ALGUÉM –Está vendo? Não podemos avaliar nada por nenhum instante que ele vem e se opõe.

QUEM – O fato é que o Outro não gosta desta coisa de tomar as devidas e necessárias precauções.

ALGUÉM –O Outro é intrasigente!

QUEM – Manipulador.

ALGUÉM – Perigoso.

QUEM – Um veneno em pessoa!

FANDO – Então por que viajam com o Outro?

QUEM – Apenas uma questão de ética qualquer(Quem faz um ritmo na fala simultâneamente a um som de percussão com a mão no peito. Fando, Alguém e o Outro entram no mesmo ritmo de Quem.)

FANDO – Hermética?

OUTRO – Dialética.

ALGUÉM – Estética.

FANDO – Poética?

OUTRO - Dialética

ALGUÉM – Esquelética?

QUEM – Fonética.

OUTRO – Dialética.

QUEM – Ética e ponto.

Param de fazer o som ritmado no corpo.

OUTRO – Dialética.

QUEM – Está vendo? Não há por que insistir.


FANDO – Talvez o Outro tenha uma certa razão.


QUEM – Onde o senhor vê razão?


FANDO – Não vejo. Escolho e pronto.

ALGUÉM – Escolhe? E como se dá tal procedimento? É que acho que tenho uma limitação no meu cérebro e não consigo compreender muito...

QUEM (interrompe) – Cala essa boca! já sabemos que o seu cérebro não funciona! Explique.

FANDO (apontando para os respectivos) – Escolho, escolhendo. Primeiro você se pergunta se Alguém tem razão, depois você escolhe Quem tem razão e depois entende que o Outro também pode ter razão.


QUEM – Desenvolva isso um pouco melhor.


\ANDO – O fato é que já avaliamos alguns aspectos do ambiente circundante, de modo que agora talvez a decisão correta seja mesmo prosseguir para um outro lugar para que possamos ocupar um outro espaço diferente deste que ocupamos agora.


ALGUÉM – Ah, sim! E um outro tempo também!

QUEM – Depende, essa coisa do tempo ela é relativa, eu não sei se o companheiro sabe, afinal, dois fenômenos simultâneos para um observador terrestre não o são para um observador planetário. Daí concluimos que a simultaneidade é relativa e portanto o tempo...

ALGUÉM (interrompe) – Uma luz não pode ocupar o mesmo espaço que não pode o mesmo tempo ocupar as cores, o meu preto e a prata que ocupa o arco-íris.

OUTRO - Vão finalmente me dar ouvidos?

QUEM – Tive uma idéia genial. Vamos nos por agora a caminho de lá.

ALGUÉM – Lá não existe.

QUEM – Então podemos nunca chegar.

FANDO – Mas temos que tentar.

ALGUÉM - Mas antes precisamos saber se chove.

OUTRO - Não chove.

QUEM - E como é que sabe?

OUTRO - Não chove.

ALGUÉM - Como é que sabe?


OUTRO - Porque não pinga.

ALGUÉM - Não pinga.

QUEM - Não pinga.

ALGUÉM - Não pinga...

QUEM - Não pinga mas pode pingar. (joga água no Outro)

O trio se vira de costas e deita debaixo dos guarda-chuvas.


CENA 4 – FANDO E LIS PARA A MORTE


Fando olha a água derramada pelo trio.

FANDO – Olha isso, Lis! Será que alguém espirrou aqui. É o espirro de um gigante.

Fando caminha para trás na diagonal do espirro.


FANDO – Ele estava daqui quando espirrou.


Lis ignora. Fando caminha até ela.


FANDO – Você tem medo de gigante?(ele se senta ao lado dela) Hein? Que foi? Tudo bem? Já sei, isso é medo do gigante, não é? (ele a abraça) Eu vou te proteger e gigante nenhum vai encostar a mão em você se eu estiver aqui. Está bem? Que foi? Ahn? Que rostinho é esse? Ai, não gosto quando você fica assim! Olha aqui não tem gigante. Mas tem uma formiguinha que vai subindo assim e vai subindo assim, ela que acabar com essa carinha séria!


LIS – Eu estou doente.

FANDO – Doente? O que é que houve?

LIS – Me tira do carrinho?

Fando tira Lis do carrinho.

FANDO – Onde está doendo?


LIS – Você me deixou sozinha ontem.


FANDO – Não foi divertido?


LIS – Por que é que você me deixou sozinha ontem?


FANDO – Você é linda. Cada dia mais linda. Queria que você pudesse usar os meus olhos só uma vez. Sabe pra quê? Pra você ver como eu te vejo linda.


LIS – Por que você me deixou sozinha ontem?


FANDO – Você não gostou?


Lis abaixa a cabeça.

FANDO – Eu queria dar um presente a eles. Você não viu como eles ficaram felizes? Como eles estavam animados? Eu duvido que eles já tenham se divertido tanto alguma vez na vida deles. Você fez eles felizes ontem! Você não fica feliz em fazer alguém feliz? Ainda mais um Alguém, um Quem e um Outro! Olha, eles me deram isso em troca de ontem, porque você é minha. Você sabe fazer cama de gato?


LIS – Nua a noite inteira... Você acha eu estou doente porque?


FANDO – Eu já fiquei doente também e não foi por causa disso. Quem disse que foi por causa disso que você ficou doente?


LIS – Eu estava tremendo de tanto frio.


FANDO – Achei que estivesse tremendo de tanto prazer que estava sentindo. Mas se você não gosta, eu juro que não vou mais fazer. Você acredita em mim?


LIS – Você sabe fazer cama de gato?


FANDO – Você gostou do presente que eles deram pra gente?

LIS – E onde eles estão agora?

FANDO – Eles já foram.

LIS - Mas não não iam nos levar para lá?

FANDO – Nós estamos com vantagem sobre eles, temos o carrinho!

LIS – Vou te ensinar, é assim: você pega o barbante e com as duas mãos... (explica como fazer uma cama de gato.)

FANDO – Nossa, fica igual uma teia. Não devia se chamar cama de gato, devia se chamar casa de aranha!

LIS – Não gosto de aranha.

Fando deita coom a cabeça nas pernas de Lis.

FANDO – Também não gosto, mas gosto da casa que elas constróem.


LIS – Eu gosto de lagartas.

FANDO – Lagartas, por exemplo... Não gosto delas e nem das casas que elas constróem. Gosto do que elas viram depois.


LIS – Será que borboletas se casam com lagartas?

FANDO – Se eu fosse uma borboleta eu acho que não me casaria com uma lagarta, mas se eu fosse uma lagarta eu me casaria com uma borboleta.

LIS – Se eu fosse uma borboleta eu me casaria com uma lagarta.


FANDO – Me dá um beijo de borboleta?


LIS – Borboleta não beija.


FANDO – Você não sabe como é o beijo de borboleta?


LIS – Borboleta não beija.


FANDO – Não acredito que você não sabe como é o beijo de borboleta! Vou te ensinar, é assim: Fica com o olho pertinho do meu. Está sentindo encostar? Agora pisca.


LIS – Faz cosquinha, é bom! Mas borboleta não beija.

FANDO – Eu disse pra eles que o nome de lá era céu. Ih! Olha, Lis!


LIS – É uma estrela, seu bobo.

FANDO – É, a mais linda, a mais forte e mais brilhante, você sabe qual é?


LIS – Sei, é a primeira que aparece lá.


FANDO – Sim... mas você sabe porque?


LIS – Não.

FANDO – Peraí, vou te contar. (fando pega o violão e começa a dedilhar uma música enquanto conta a história da estrela) É o seguinte. No centro do mundo, existia um castelo bem alto, muito alto, maior que o castelo do gigante do espirro, um castelo tão alto quanto o infinito. Lá no topo do castelo tinha uma torre e na ponta da Torre uma estrela de prata com quatro pontas. Dentro dessa Torre vivia uma princesa, ela se chamava Felicidade. Felicidade era uma princesa linda, branquinha, de cabelos cacheados e avermelhados. Ela tinha uma voz suave e além de dançar muito bem, adorava cantar na janela. Era uma princesa muito, muito bela mesmo e toda a tarde, depois do trabalho, as pessoas se reuniam embaixo da Torre para vê-la cantar. Mas nem todos conseguiam vê-la, porque só conseguiam enxergá-la aqueles que estavam preparados. Quem não estivesse com os olhos para vê-la poderia não vê-la nunca. E diziam que os mais preparados podiam enxergá-la a distância, não precisavam nem ir até a Torre. Conseguiam enxergá-la de onde quer que estivessem. Um dia, um terremoto muito forte devastou completamente toda a região. O castelo desmoronou e ninguém sobreviveu, a não ser a princesa. A estrela era apaixonada pela princesa e sugou a Felicidade para dentro dela. E a estrela de prata não caiu, ficou ali, intacta. E quando juntou a força da estrela de prata a beleza radiante da princesa Felicidade, a prata se transformou em ouro. E até hoje ela brilha no céu.

LIS – E ela mora lá até hoje?

FANDO – Não sei, mas deve morar.

LIS – Termina a minha dança?

FANDO – Mas ainda não chegamos lá.

LIS – Então faz a minha música!

FANDO- Mas ainda não chegamos lá.

LIS – Então toca outra.

FANDO – Vou Tocar a da Solidão.

LIS – Toca a do Peixe vivo!


FANDO – Não sei a do peixe, só sei a da Solidão.

LIS – Sabe sim, aquela: “Minha alma chorou tanto, que de pranto está vazia...

FANDO – Como que é? Vou tocar pra você.

Lis ensina a música completa pra ele:

“A Minh'alma chorou tanto
Que de pranto está vazia
E é por isso que eu reclamo essa sua companhia.
Não há pranto sem saudade
Nem amor sem alegria
E é por isso que eu reclamo
Essa sua companhia


Como pode um peixe vivo
Viver fora d'agua fria?
Como poderei viver?
Como poderei viver?
Sem a sua, sem a sua, sem a sua companhia...”


Após ensinar a música para Fando, os dois cantam a música toda.


FANDO - Já sei, vou tocar no tambor, peraí!


Fando entrega o violão a Lis e canta a música batucando no carron.Para imitar o Fando, Lis começa a batucar no violão. A princípio Fando está tão empolgado de olhos fechados batucando e cantando que nem percebe o batuque de Lis no violão. De repente, Fando abre os olhos e se dá conta de que Lis está batucando no violão.

FANDO - Pára de bater aí.

Lis canta de olhos fechados.

FANDO – Pára de bater nisso.

FANDO – Lis, mandei parar.

Fando amarra a mão de Lis com o barbante.


LIS - Pára com isso, Fando, por favor, não amarra a minha mão, você está me machucando!


FANDO – Chega de música. Vamos explorar seus movimentos. (Fando vai ao extremo oposto a Lis). Vem até aqui.

LIS – Fando, eu não tenho força.

FANDO – Deixa de ser preguiçosa, vem até aqui.

LIS – Eu não consigo.

FANDO - Vem até aqui ou eu vou te bater!


Lis se arrasta e pára.

LIS –Não consigo mais que isso.


FANDO – Eu disse até aqui, você é paraplégica ou é surda?

LIS – Fando eu já disse que eu não consigo!

Fando vai até Lis, e a enforca.

FANDO – É claro que você consegue, você é preguiçosa, isso sim, qualquer lagarta consegue se arrastar, você não consegue? Você é alguma besta por acaso? Diz que você vai conseguir! Diz! Anda, eu estou mandanddo você dizer. Que é que é, não é coitada o suficiente sendo paraplégica, tem que se fazer de surda e agora de muda também? Falta o que, ser cega? Quer que eu te arranque os olhos? (Lis fecha os olhos) Abre os olhos Lis! Abre os olhos! Não adianta fingir que está dormindo, eu sei que você não está dormindo! Lis! Fala comigo, Lis! Está bem, não vou mais perder meu tempo com você! Eu vou embora e vou te deixar aí sozinha! Está ouvindo, Lis? Lis, eu estou falando com você! Garota! Eu disse que vou te deixar sozinha e não estou brincando! Eu vou embora, Lis! Você vao ficar aí igual uma coitada que nem mexe as pernas!


Fando se senta no carron com o violão e começa a dedilhar uma música. A atriz se levanta. Deixa sua boneca no chão. Pega seu guarda-chuva preto e abre, deixando cairem pétalas de rosas vermelhas. A atriz sai caminhando de cena.


FANDO - Lis, me desculpa. Eu juro que não faço mais. Me perdoa, Lis. Você precisa confiar em mim. Você confia em mim? Quer que eu faça alguma coisa pra você? Água? Quer que eu te coloque no carrinho? Eu posso fazer sua dança. Se você quiser eu termino agora? Eu te amo, Lis, você é minha fofinha. Fala comigo, Lis. Eu juro que nunca vou te deixar, eu juro. Se eu te deixar, em quem eu vou dar beijinhos, hein, meu amor, Quer que eu termine a sua música? Eu toco o que você quiser. Já sei, quer que eu toque a música do Peixe Vivo? Eu sei tocar, você me ensinou, eu lembro, quer ouvir, olha só:

Enquanto canta, apaga o desenho que fez de Lis na parede
“Como pode um peixe vivo
Viver fora d'agua fria?
Como poderei viver?
Como poderei viver?
Sem a sua, sem a sua, sem a sua companhia...”


Ouvimos a discussão que acontecesse entre o trio que está atrás dos guarda-chuvas pretos.


OUTRO - O que estamos fazendo aqui?

ALGUÉM - Não sei.

QUEM - A gente só está.


OUTRO - Isso, o importante é Tar. (por trás do guarda-chuva aponta para o teto com o braço esticado de modo que vejamos apenas o seu braço). Podemos seguir!




Black Out


FIM